quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Conto, também é matemática



O canto da flauta mágica

O irapuru

O irapuru é um dos menores pássaros da floresta amazônica e sem qualquer cor que chame atenção. Comparado ao esplendor dos papagaios e dos tucanos, pode se considerado até feio. Mas, em compensação, possui uma voz incomparável. Canta apenas quinze dias ao ano, por não mais de cinco minutos, somente durante o tempo de nidificação. Seu gorjeio acontece já ao alvorecer, quando todos os demais passarinhos estão ainda dormindo. Sua voz, bela e triste, penetra longe pela mata afora. Por que o irapuru gorjeia com tanto sentimento? Os índios Tupi encontraram uma explicação.

Havia na tribo um jovem que tocava maravilhosamente flauta. Apelidaram-no até de Catuboré, que significa “a flauta mágica”. Não era um jovem bonito, nem tinha especial charme. Mas por causa dos sons melodiosos de sua flauta era cobiçado por quase todas as moças casadouras. No entanto, somente a simpática Mainá conseguira conquistar seu coração. Marcaram o casamento para a primavera, quando na mata florescem as quaresmeiras roxas e amarelas e os fedegosos se enchem de vermelho.

Mas aconteceu uma tragédia. Certo dia, Catuboré, o “flauta mágica”, saiu para a pesca num lago, distante da maloca. Escureceu e ele nada de chegar.

Mainá e suas amigas passaram a noite em claro, com o coração apertado de preocupação e de maus pressentimentos. No dia seguinte, a tribo inteira se mobilizou, procurando-o por todos os caminhos. Finalmente, não muito distante do lago, encontraram o “flauta mágica” morto e enrijecido, ao pé de uma grande árvore. Logo entenderam: uma serpente venenosa lhe havia picado mortalmente a perna.

Todos choraram copiosamente, de modo especial Mainá e as moças que tanto apreciavam os sons maviosos de sua flauta. Mas como estavam distantes da maloca e quase todos estavam ali presentes, resolveram enterrar Catuboré ali mesmo, ao pé da árvore que assistira à sua morte.

Mainá, quando a saudade batia mais forte, vinha com suas amigas chorar sobre a sepultura do amado. Passaram-se várias semanas e a saudade e as lágrimas não diminuíam.

A alma de Catuboré, vendo a tristeza da namorada, não conseguia também ficar em paz. Chorava junto e lastimava o seu infortúnio. Pediu, então, ao espírito da mata que o transformasse num pássaro, mesmo que fosse pequenino e feio, contanto que fosse cantador, capaz de consolar Mainá.

E foi transformado, então, no irapuru. Ele é parecido com Catuboré, pois não tem especial beleza, mas canta como ninguém na floresta, num som semelhante ao da sua flauta.

Hoje, tanto tempo depois, o irapuru continua a cantar, embora apenas ocasionalmente. Mas quando entoa seu canto belo e triste, todos os animais se sentem atraídos uns pelos outros, começam a namorar e a se beijar. Os demais passarinhos que também cantam e gorjeiam, respeitosos e atentos, se calam completamente. Só se escuta a voz dolente do irapuru, consolando sua amada.

Leonardo Boff.

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