domingo, 10 de janeiro de 2010

Os sem terra


Notem senhores o que acontece quando uma brincadeira das mais inocentes possíveis pode terminar como um grande mal entendido e este chegar a virar caso de polícia.

Aconteceu na Avenida Terezinha Pereira, mas antes de contar o caso, quero explicar os pormenores do ambiente em que este ocorreu, para que o leitor de todas as partes tenha uma visão clara da região, assim como os nativos de nossa cidade. Esta rua é composta por casas de um só lado da rua, o lado da sombra, o outro lado, o lado do sol, é inviável a construção de qualquer tipo de imóvel, já que se trata de uma várzea de aproximadamente 10 a 20 metros de largura enquanto seu comprimento segue toda a extensão dos cercos onde se acumula água salgada para os “baldes” de salinas e antes do cerco ainda existe uma levada que serve de afogador para os próprios “baldes” e a cidade. Além de o solo ser muito salgado por se tratar de lama onde em épocas passadas era tudo manguezal, se perfurar 20 cm neste solo, terá água salobra, outro detalhe é que em apenas um trecho da várzea chega à largura máxima citada acima, os outros vai diminuindo de maneira que em alguns lugares esta largura não chega a dois metros. Para completar a inviabilidade de construção, em alguns trechos da várzea ainda está alagada com água salgada, sem falar que quando chove alaga toda a vargem, transformando num verdadeiro lamaçal.

O caso foi que meu vizinho num certo domingo, com outros três amigos, num desses finais de semana prolongado de muita bebida e churrasco, resolveu fazer uma barraca em frente a sua casa para por a churrasqueira, como não podia fazer a barraca no meio da rua, claro, fez em frente a sua casa, porém na vargem, junto a um poste ali em frente. Três buracos, três estacas, quatro varas como se fosse os caibos, barbante e cordão de rede, algumas palhas ainda verde de coqueiro e pronto a barraca estava pronta.

A churrasqueira estava assando as preciosas costelinhas e alguns espetinhos feitos de lingüiça enquanto os quatro ali ao redor da churrasqueira e embaixo da barraca batiam um papo quando passa um senhor de bicicleta:

- E o que é? já tão fazendo casa na vargem?

Meu vizinho ironizou e respondeu na forma de brincadeira:

- jaaa, o prefeito liberou, quem quiser pegar um pedaço de terra é só marcar.

- Ah é? Ta certo!

O senhor de meia idade passou, olhando para trás e para a vargem, enquanto eles continuaram ali com o churrasco sem dar a mínima importância para a brincadeira. Ficaram até ao meio dia, terminado o churrasco meu vizinho foi descansar, pois no dia seguinte iria trabalhar bem cedo. Às quatro horas da tarde ainda do domingo meu vizinho levanta-se e sai pra ver como está à rua, como todos nós fazemos quando estamos em casa, nisso ele toma um susto, a vargem estava tomada por gente, ele sem saber do que se tratava, foi logo perguntando:

- O que é que esta acontecendo aí, em?

- Foi o prefeito que liberou a vargem, ele disse que quem pegar um pedaço de terra a prefeitura vai doar o material da casa.

Meu vizinho lembrou da barraca e da brincadeira dita ao senhor e não comentou mais nada, entrou pra dentro de casa e fechou a porta.

Na segunda feira bem cedo, a várzea estava tomada por paus, busca de coco, catemba, tonel velho, resto de concreto, resto de tijolos, sacos amarrados nas pontas das varas, enfim, a várzea de um dia para o outro, virou um verdadeiro lixão.

Todos os terrenos estavam sendo medidos a olho, aliás, a passadas, sete passos, 6 metros.

Aqui bem próximo de casa estavam dois sem terras medindo seus respectivos lotes:

- Viche, miudim os passos dele, meça o meu pedaço também!

Um pouco a frente estava outros:

- Ei você ai, só pode pegar 6 metros.

- Cê besta, esse é da minha irmã.

- Ah é assim, então vou pegar o da minha tia!

E lá ia medir outro lote.

- Ei esse pedaço ai não menino, esse pedaço aí é meu.

- Então marque, ora!

- Marco já, já. Estou esperando uma carroça de varas que mandei o menino tirar lá na Serra.

Em frente à casa de Zé Wilson estava um cidadão que mais parecia um guarda de transito, em pé, no meio da vargem.

- Esta fazendo o que aí seu Noel, feito uma estátua? Alguém perguntou.

- Pastorando meu pedaço enquanto os meninos vêm com uns galhos de mangue para marca esse lote.

Vejam só, até o mangue saiu prejudicado com essa brincadeira. Espero que o IBAMA seja logo comunicado, antes que alguém tenha a grande idéia de desmatá-lo para fazer casas.

Enquanto isso um senhor que tinha pegado um pedaço ali em frente ao bar do Canindé, não perdeu tempo, após cercá-lo com alguns pedaços de tocos e restos de arames farpados muito enferrujados, colocou uma placa de papelão com o anuncio feito à carvão:

VENDE–SE ESTE TERRENO.

Já em outro lugar estava uma senhora danada, parecia um “ciri numa lata”, reclamando das pessoas que estavam tirando as varas da sua cerca para levarem para a vargem:

- É só o que esta faltando mesmo, esses desocupados estão acabando com minha cerca, vou já é da parte!

As pessoas já começavam a se reunir para escolherem um representante para ir falar com o prefeito sobre os materiais da construção.

- E aí, quem é que vai avisar o prefeito que já esta tudo dividido?

- Sei não, mas ouvir dizer que ele vai fazer as casas em forma de mutirão!

- É mesmo é. Talvez ele deva começar lá pelo início da vargem!

Em outra parte dois senhores já estavam discutindo sobre seus respectivos projetos:

- Hei, quando é que vai começar a chegar a areia pra fazer o piso? Na minha só quero se for areia da boa, menino aqui vai levar areia, viu! Quando chegar à minha vez vou fazer-la bem alta, vou fazer com 14 fiadas de tijolos, quero nem saber!

- Assim que levantar a minha casa vou logo plantar dois pé de planta pra fazer sombra, qual é a planta que se pode plantar nesse terreno, em?

- Rapaz que eu saiba, aqui só dar mangue mesmo!

- Algaroba também da.

- Ah é.

Um senhor que pegou um lote nas mediações da Ticaca, aparentemente estava com um problema, mas já encontrara a solução.

- Viche, se começar lá pela rua de baixo vai demorar muito pra chegar na minha, acho que vou falar com o prefeito pra mim dar uma ordem do material que eu mesmo pego lá em Jorge e construo a minha.

Na segunda feira à tarde todo mundo estava animado falando de seus projetos quando chega o dono do terreno acompanhado do delegado da cidade com uma ordem, só que uma ordem de despejo:

- Todo mundo, prestem atenção; quem marcou esses terrenos façam o favor de agora mesmo tirarem os entulhos, um por um, e eu quero saber também quem inventou essa história que o prefeito autorizou a posse da vargem que eu quero dar-lhe um “chá” de cadeia no maldito!

Todos de cabeça baixa em silencio foram, um a um, tirando seus respectivos entulhos. Quanto a barraca, que permanecia intocável, o delegado questionou em voz alta:

- E essa barraca? Quem construiu essa barraca?

Meu vizinho que até então em silêncio prestava atenção ao desenrolar de todo processo de posse e desaposse respondeu com muita segurança e convicção;

- Não faço a menor idéia!

Então o delegado decretou:

- Derrubem essa barraca e ponha os destroços na caçamba pra ir pro lixão.

Meu vizinho após bater palmas disse para o delegado:

- Muito bem, é assim que se faz.

Na retirada do lixo da vargem, todos estavam indignados com aquela situação e entre os questionamentos e explicações o que mais se ouvia dos ex-proprietários das terras, era:

- Ah se eu pego o infeliz que inventou essa palhaçada!

Prof: Ronaldo Josino

4 comentários:

  1. Ronaldo quase morro de rir com essa história.

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  2. Mas saiba que foi verdade.

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  3. Ronaldo eu lembro dessa historia, mas não tão detalhada como você descreveu, ficou maravilhosa, bem detalhada. Esse fato revolucionou Grossos e ocurpada era seu visinho, depois quero saber quem é?

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  4. Hoje a rua Terezinha Pereira é considerada a rua do Lixão. Tá na hora do blogueiro começar a tirar fotos e publicar, só assim a municipalidade deixe de embolsar dinheiro e comece a trabalhar na melhoria dos que realmente se preocupam com o bem estar deles. Tá feito a crítica. Só espero que seja publicado.

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